Certo dia, estava em casa junto com a minha família, esposa e duas filhas, a ver televisão, quando passa uma reportagem sobre a sustentabilidade do consumo no nosso planeta e da urgência de tomarmos novas decisões de compra, mais amigas do ambiente, escolhendo produtos que não destruam a nossa fauna nem a nossa flora. Temos pouco tempo para salvar o nosso planeta.

Veio-me à cabeça a nossa cortiça e questionei na minha mente como é que nós utilizávamos a cortiça nas rolhas, nas malas, nos chocolates embalados em cortiça da Dulicy, no revestimento das casas e não estragávamos de alguma forma os sobreiros? Seria mesmo amiga do ambiente a utilização da cortiça?

Decidi partilhar este pensamento com a minha família, logo naquele momento. Todos ficaram um pouco pensativos, e disse rapidamente a minha filha:

-Oh pai! Como é produzida a cortiça?

– Não é produzida, é retirada da árvore!

-A sério? – questionou rapidamente com ar de espanto.

-Sério!

-Nunca viste filha?  -Perguntou a minha esposa.

-Não mãe, nunca me mostraram…!

A pequenita tinha razão… Eu e a minha esposa olhámos um para o outro e ficou naquele momento decidido que teríamos que lhe mostrar…

-Oh mãe, temos que lhe mostrar! -Respondeu a mais velha.

-Vamos! Vamos, mãe?- Perguntou a pequenita muito entusiasmada…

-Sim, eu e o pai vamos tratar disso…

Combinei com a minha esposa para o fim de semana que já estava a aproximar-se irmos conhecer um pouco mais os nossos sobreiros e respirar ar puro alentejano. Comunicámos nessa mesma noite às miúdas e o entusiasmo foi imediato de ambas. Começaram as duas a combinarem o que queriam ver e experienciar.

Fiquei muito feliz que as pequenotas tivessem entusiasmo pela natureza e quererem experienciar este planeta magnífico. E só temos este, e temos que o preservar.

Chegou o dia tão esperado por todos, com as malas prontas de véspera, arrancámos em direção a Évora, onde iríamos pernoitar. Foi rápida a viagem do concelho de Peniche ao nosso destino, mas vimos com o passar quilómetros a diversidade de paisagem que este nosso país tem para oferecer a quem se predispõe a visitar e a palmilhar todos os caminhos tão singulares e únicos que o percorrem.

Tratámos de toda a logística, como as malas e fomos preencher o vazio nos nossos estômagos, que já estavam a dar sinal. Após o almoço, fizemo-nos ao caminho e fomos em direção a Alcáçovas e explorar as paisagens.

Percorremos alguns quilómetros e a certa altura a minha filha mais nova diz bastante alto:

-Olha pai! Olha pai! São vacas ali à direita?

-São sim e muitas, uma enorme manada. -Respondi rapidamente a confirmar o que ela tinha visto.

-Vamos ver, vamos ver! – quase que a pequenita ordenou.

Olhei para a minha esposa e ela com o olhar confirmou o pedido. Estacionei o automóvel na berma da estrada e saímos os quatro em segurança. Dirigimo-nos para onde estavam as vacas de modo a termos um contacto mais próximo e sentirmos a sua imponência. Ao aproximarmo-nos íamos sentindo a dimensão e grandeza destes magníficos animais.

Reparei nos olhos da mais velha que estava maravilhada com tudo o que estava a ver e a experienciar, como a natureza mexe com todos os nossos sentidos e da riqueza que nos dá em termos espirituais e emocionais.

Uma das vacas aproximou-se de nós, mas quase como que por reflexo, demos todos um passo atrás. Pareceu que ela estava curiosa com o que estava a ver e queria-nos ver melhor para ter noção exata do que é que estava a ver. Tinha um ar dócil, fofinho, parecendo que queria uma festinha. Apesar de parecer mansinha e termos uma cerca a nos proteger, não quisemos arriscar de imediato sem termos mais confiança da reação do animal.

De repente, ouve-se uma voz grossa, era de certeza de um homem, que disse:

– Não tenhas medo, a vaca não te faz mal.

Ficámos surpresos com o aparecimento deste senhor, que apareceu sem nos apercebermos. Olhámos em redor e avistámos um homem com um chapéu preto com aba, com um bigode, camisa branca, colete preto, calças pretas e um cajado na mão direita, fiel companheiro nas andanças pelos campos. Um homem típico alentejano.

Acrescentou o homem que apareceu de repente:

-Elas são muito curiosas, gostam de visitas e de estar próximas de nós. Podes dar uma festa na cabeça, não te vai fazer mal.

A minha filha mais pequena apercebeu-se que o senhor estava a falar para ela.

Sem permitir qualquer comentário, perguntou-nos:

– Estão perdidos por aqui?

Não, respondeu a minha esposa, viemos conhecer melhor esta zona do país e ver os sobreiros e a cortiça em particular. Queremos mostrar às miúdas porque é que consumir a cortiça é ser amigo do ambiente e não necessitamos de abater os sobreiros para a obter.

Mas que bela ideia vocês tiveram, respondeu o homem.

-Por acaso vieram no momento certo, porque tenho homens neste momento a fazer o descortiçamento. Querem ver?

-Podemos? – Perguntou a mais velha.

-Seria espetacular!

-Sim, sim… quase que ordenou a pequenita.

Todos concordámos, obviamente, já que era o propósito desta viagem.

E lá fomos, guiados pelo homem alentejano até aos sobreiros onde já se trabalhava a fazer o descortiçamento (arte de retirar a cortiça do sobreiro). Passados alguns minutos chegámos aos sobreiros, onde se viam vários homens espalhados pelo campo. Ao aproximarmo-nos de um dos trabalhadores, com um machado nas mãos e a fazer um corte no sobreiro, perguntou a pequenita:

– Oh senhor do cajado, este senhor está a cortar a árvore?

Todos nos rimos, pelo modo como a pequenita chamou o homem alentejano de “senhor do cajado”.

A sorrir, respondeu o homem do cajado:

– Não minha querida, não está a cortar o sobreiro, não te preocupes. O Rodrigues (o trabalhador que estava a fazer o pequeno corte no sobreiro) está a fazer a primeira etapa do processo de tirarmos a cortiça da árvore, com um corte na vertical. Chama-se a esta fase o “Abrir”. Não sei se sabem, mas o retirar da cortiça do modo correto tem seis etapas. Sabem quais são? -Perguntou o senhor do cajado.

-Não!- responderam as minhas filhas em uníssono.

-Então continuem comigo neste passeio e vão ver com os vossos olhos quais são. Sigam-me.

E lá fomos, mais umas 7 árvores à frente vimos outro trabalhador, vestido de fato de macaco azul, estava a colocar a lamina do machado entre a cortiça e o sobreiro e a fazer força para que se descolasse da árvore.  Ao chegarmos, o senhor do cajado disse:

– Boa tarde António.

– Boa tarde Sr. Manuel. – respondeu o Sr. António.

Ficámos a saber naquele momento o nome do senhor do cajado. Não tinha ainda havido oportunidade de lhe perguntar o nome.

– O António está a separar a cortiça do sobreiro, chama-se a esta etapa “separar”. Esclareceu o Sr. Manuel ao explicar o que estávamos a ver.

Mas a minha filha continuou e chamou pelo mesmo nome que tinha na cabeça. Até fiquei um pouco envergonhado quando lhe saiu novamente o nome.

-Oh senhor do cajado, depois de abrir e de estar a separar, o que se faz a seguir?

O Sr. Manuel sorriu novamente e fez uma expressão facial ternurenta, desculpabilizando a expressão da pequenita e respondeu:

– Olha, a seguir vem a fase do traçar.

– E o que é o traçar?- Perguntou a mais velha.

Sr. Manuel respondeu prontamente, como se já estivesse à espera da pergunta. -É delimitar com um corte na árvore na horizontal o tamanho da prancha de cortiça que se está a extrair do sobreiro. Aliás, quanto maior a prancha, mais valor ela tem.Temos de ter cuidado ao tirar a prancha para não se quebrar, chamando-se a esta fase, extrair.  O Isidoro, ali na árvore à vossa esquerda, é o que está a fazer. Vejam o cuidado e delicadeza com que ele está a efetuar a tarefa. Ele tem muita experiência e continua a fazer com muito cuidado.

Vamos esperar mais um pouco, e veremos o Isidoro a efetuar o passo seguinte.

Fomos andando até ao pé do Sr. Isidoro enquanto ele estava a extrair a prancha. Quando chegámos perto dele,  cumprimentámos-o. 

-Bom dia Isidoro, disse o Sr. Manuel.

-Bom dia Sr. Manuel, cumprimentado de volta o Sr. Isidoro.

-Venho mostrar a esta família como fazemos a extração da cortiça. Já vi que vais para a quinta etapa, certo? – Sim Sr. Manuel. Vou começar agora mesmo. Vou pegar no machado e com o olho (parte de trás da lamina) vou bater nos calços do sobreiro.

Assim que a minha filha mais nova vê este movimento, pergunta:

-Oh Senhor do Cajado, porque está o senhor Isidoro a bater na árvore? Perguntou a pequenita com ar triste.

O Sr. Manuel sorriu e esclareceu a mente preocupada da minha filha.

-Olha princesa, o senhor Isidoro apenas está a dar umas leves pancadas nos calços do sobreiro para afugentar alguns bichinhos que lá podem estar. E tu sabes como se chama esta nova fase? Perguntou o senhor Manuel à pequenita.

-Não, respondeu ela.

-Chama-se a fase de descalçar.

– Como têm visto, para ter a cortiça não se abate as árvores, mas sim, preservamos e tratamos delas. É das matérias primas mais amigas do ambiente. Se vocês comprarem cortiça estão a ajudar a natureza e o nosso planeta.

Entretanto a mais velha vira a cabeça para a sua direita e vê números escritos em algumas árvores e pergunta?

-Senhor Manuel, porque põem números nas árvores?

-Estás muito atento rapariga, respondeu o Senhor Manuel. E continuou a explicar. Olha, a marcação com os números é a última fase. Em cada sobreiro é marcado com a numeração do último algarismo do ano em que foi realizada a extração da cortiça.

-Então se tem o 9 quer dizer que foi em 2019, certo?  Perguntou a minha filha mais velha.

-Exatamente, já vi que és muito boa a matemática. Respondeu o senhor Manuel sorrindo.

– Eu também sou, respondeu prontamente a pequenita, querendo também alguns elogios para ela.

Foi a gargalhada geral.

-Tenho a certeza que sim, respondeu o Sr. Manuel, rindo à gargalhada. Então se são boas a matemática, aqui vai um desafio para vocês as duas. As meninas sabem quantas vezes o sobreiro pode ser descortiçado durante a sua longa vida? 

A minha pequenita pôs a mão direita no queixo, sinal que estava a pensar afincadamente numa resposta.

De repente. Ouve-se uma voz feminina, que diz:

-Oh Manuel que….

Continua…